Lei de potência: universalidade na natureza
Como uma lei simples explica os mais diversos fenômenos na natureza, desde as redes sociais até os terremotos.
Galileo Galilei não teve uma vida fácil. Na velhice, foi condenado à prisão domiciliar por afirmar que a Terra girava em torno do Sol. Na juventude, em 1580, teve que se matricular, a contragosto, em medicina na Universidade de Pisa. Seu pai queria que ele fosse médico, pois não via futuro em um filho matemático. Galileo não parece ter dado muita importância aos estudos de medicina, optando por frequentar cursos sobre seus reais interesses, que eram matemática e filosofia natural. Como resultado, ele deixou Pisa em 1585 sem concluir o curso de medicina e passou a lecionar matemática em Florença e, posteriormente, em Siena. De qualquer forma, os estudos em medicina não foram totalmente perdidos. Observando dados de animais, Galileo se perguntou: por que não existem animais gigantes? Em filmes, como King Kong, vemos um gorila gigante subindo em prédios, mas porque tais gorilas não existem? Galileu percebeu que animais maiores precisam de ossos mais grossos em comparação com animais menores. Com isso, ele encontrou uma relação entre a massa (M) de um animal e seu tamanho (L, comprimento). Ele deduziu que
Portanto, se um animal dobra de tamanho, sua massa aumenta oito vezes. Já a área dos ossos aumentaria quatro vezes, pois Galileo observou que a área S:
Logo, a massa aumenta mais rapidamente do que a área dos ossos. É por isso que não temos animais maiores do que a baleia azul, pois sua massa seria muito grande e o peso sobre o esqueleto seria imenso. Essas relações descobertas por Galileo são exemplos de lei de potência, que é verificada nos mais diversos sistemas físicos.

“Matemática é a ciência dos padrões, e a natureza explora praticamente todos os padrões que existem.” Ian Stewart.
Com a evolução da ciência após a Idade Média, a lei de potência continuou a ser observada. Durante o Renascimento Científico, no início do século XVII, Johannes Kepler, em seu livro “Harmonias do Mundo” (“Harmonices Mundi”, em Latim), publicado em 1619, apresentou uma lei universal que rege o movimento dos corpos celestes. Usando dados observacionais de seu predecessor Tycho Brahe (1546–1601), ele verificou que o quadrado do tempo (T) que um planeta leva para dar uma volta completa em torno do Sol é igual à distância média do planeta ao Sol elevada ao cubo (D), multiplicada por uma constante C. Em outras palavras, sua terceira lei estabelece uma relação matemática entre o período orbital de um planeta e sua distância média ao Sol, isto é
Mais tarde, em 1687, Isaac Newton mostrou, em seu livro “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural” (Philosophiae naturalis principia mathematica, em Latim), que todos os corpos no universo se atraem com uma força diretamente proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. Essa lei descreve como a força gravitacional entre dois corpos varia à medida que eles se afastam ou se aproximam um do outro. Matematicamente, a lei da gravitação universal é dada por:
Essa relação entre força e distância também foi observada por Charles-Augustin de Coulomb em 1785. A lei de Coulomb afirma que a força elétrica entre duas cargas elétricas é diretamente proporcional ao produto de suas cargas elétricas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas, isto é,
Sendo k a constante de Coulomb, que depende do meio em que as cargas se encontram.
As leis de Kepler, Coulomb e da Gravitação Universal, são exemplos de leis de potência, que podem ser expressas na forma:
Quanto maior o valor da variável x, menor o valor da função f(x). Nas leis de Newton e Coulomb, x representa a distância entre planetas ou cargas, sendo α=2. Assim, quanto mais próximos estão dois planetas ou cargas elétricas, maior é a força entre eles. Essa relação também foi observada na Lei de Stefan-Boltzmann, na Lei de Stokes, na criticalidade auto-organizada e na lei de Curie–von Schweidler. Além disso, ela também ocorre em sistemas econômicos, biológicos e sociais, como na Lei de Pareto, que afirma que 80% dos efeitos são causados por 20% das causas, e na lei de Keibler, que relaciona a taxa metabólica com a massa de um organismo. No século XIX, Vilfredo Pareto publicou um trabalho em que mostra que cerca de 80% das terras na Itália eram controladas por 20% da população. Na verdade, dados recentes mostram que pessoas com altíssima renda são raras. No Brasil, 1% da população detém 49% da renda total, enquanto que 80% dos mais pobres concentram apenas 10% das riquezas. Portanto, a lei de Pareto reflete a alta desigualdade social observada em diferentes países.

Em 1932, o cientista suíço Max Keibler verificou que a taxa metabólica de um organismo aumenta proporcionalmente ao seu tamanho, mas não na mesma proporção. Por exemplo, um elefante é muito maior que um camundongo, mas sua taxa metabólica é menor em relação à sua massa corporal. Keibler verificou que a taxa metabólica é dada por uma lei de potência com expoente positivo igual 3/4. Essa regra foi verificada para bactérias, plantas e animais maiores, como mamíferos. Leis de potência também foram observadas no tempo de vida das espécies em função da sua massa (com exponente 1/4) e também para o batimento cardíaco (com expoente -1/4). A presença de leis de potência em sistemas biológicos ainda é um mistério a ser desvendado. Há muitos modelos matemáticos que tentam explicar essa relação, mas ainda não há um consenso sobre essa universalidade.

“A lei de potência é a lei da natureza mais importante que você nunca ouviu falar” — Albert-László Barabási, físico e pesquisador de redes complexas.
As leis de Kepler, Newton e Coulomb são modelos determinísticos, no sentido em que podemos predizer exatamente a força gravitacional ou elétrica, bem como a posição de um planeta, em qualquer instante de tempo. A equação anterior, define a lei de potência de uma forma geral, não necessariamente determinística. No entanto, podemos generalizar a lei de potência para processos estocásticos (probabilísticos). Nesse caso, f(x) representa uma distribuição de probabilidade. Se X é uma variável aleatória contínua, para que f(x) seja uma função densidade de probabilidade, temos que a área sob f(x) deve ser igual a um. Matematicamente,
Resolvendo essa integral e calculando a constante C, vamos obter a distribuição lei de potência:
É possível definir a lei de potência para variáveis aleatórias discretas e, nesse caso, a probabilidade de X seja igual a um valor x é dada por:
Matematicamente, o caso contínuo é mais simples de ser analisado. Em resumo, essa lei afirma que a probabilidade decresce com os valores de x. Ou seja, quanto maior x, menor a chance de ser observado.
Em um gráfico na escala log-log, temos que a lei de potência é representada por uma reta. Isto é,
Conforme notamos no gráfico a seguir, a distribuição da população de cidades brasileiras se distribui aproximadamente como uma reta, quando usamos a escala log-log. Esse gráfico indica que há muitas cidades pouco povoadas, mas há algumas cidades muito povoadas, como São Paulo e Rio de Janeiro, sendo que essa ocorrência é um evento raro. Isto é, não é comum que cidades sejam altamente populosas.

Essa reta na escala log-log é uma "assinatura" da presença da lei de potência. A distribuição da frequência das palavras em um livro, do número citações recebidas por cientistas, do tamanho das crateras lunares, do número de livros vendidos, da população de cidades e da magnitude de terremotos, são exemplos onde a distribuição lei de potência pode ser observada, conforme verificamos no gráfico a seguir.

Como essa lei é bastante comum na natureza, alguns autores sugerem que a lei de potência é até mais normal do que a distribuição normal. Mas porque essa lei é tão observada em diferences sistemas?
“As leis de potência não são apenas uma curiosidade matemática, mas uma chave para compreender o comportamento emergente de sistemas complexos, desde a Internet até ao cérebro humano”. Steven Strogatz.
Vamos comparar a lei de potência com distribuição normal. Na distribuição normal, os valores associados a um evento são distribuídos ao redor de um valor típico, que seria a sua média. Por exemplo, se medirmos as alturas de indivíduos ou a velocidade máxima de carros, vamos verificar que os valores se distribuem ao redor de um valor típico — a média. No caso das alturas, devemos observar valores ao redor de 1,70 metros, sendo os valores mínimos ao redor de 1,50 metros e os máximos próximos de 2 metros. Não teremos um indivíduo com 0,1 ou 3 metros. O mesmo ocorre com a velocidade dos carros, que geralmente variam entre 50 e 200 Km/h. Ou seja, não vamos observar grandes variações entre os valores coletados. No caso da lei de potência, o comportamento é completamente diferente. A distribuição lei de potência surge quando temos eventos extremos, que ocorrem com baixa probabilidade. Por exemplo, nas redes sociais, a maioria dos indivíduos apresentam algumas centenas de conexões. No entanto, há uma minoria que apresenta milhões de contatos. Esses indivíduos, que geralmente são celebridades, políticos ou esportistas famosos, apresentam uma grande importância nas redes ditando comportamentos, opiniões e influenciando milhões de pessoas. Redes que apresentam uma lei de potência na distribuição de suas conexões são chamadas redes sem escala e estão presentes nos mais diversos sistemas. Por exemplo, as conexões entre aeroportos, entre proteínas, entre roteadores na internet e entre cientistas que colaboram, são rede sem escala. De fato, uma propriedade fundamental da lei de potência é a ausência de escala.

A ausência de escala está ligada aos fractais. Fractais são objetos geométricos que possuem autossimilaridade em diferentes escalas. Isso significa que, ao observá-los de perto ou de longe, eles apresentam a mesma estrutura repetida em padrões infinitamente complexos. Os fractais são encontrados em muitos fenômenos naturais, como na forma das nuvens, dos flocos de neve, dos rios e das montanhas. Eles também são produzidos por meio de equações matemáticas complexas e são utilizados em várias áreas, como na modelagem de fenômenos naturais, na computação gráfica e na arte.

Essa ausência de escala da lei de potência surge de uma propriedade matemática. Isto é, se trocarmos x or dx nas equações anteriores, vamos obter:
Portanto, multiplicar x por uma constante d não muda o formato da distribuição, de modo que podemos escrever f(x) = g(d)f(x). A distribuição lei de potência é a única que apresenta essa propriedade.
Fractais são caracterizados por uma dimensão que difere da que estamos acostumados, isto é, a dimensão Euclidiana. Quando observamos uma cena, ao nosso redor, observamos objetos formados por três dimensões: altura, comprimento e largura. A dimensão Euclidiana de um objeto é um número inteiro que indica quantas vezes o objeto pode ser dividido em partes iguais e ainda manter sua forma original. Por exemplo, um quadrado tem uma dimensão Euclidiana igual a 2, pois pode ser dividido em duas partes iguais ao longo de seus eixos horizontal e vertical. No entanto, a dimensão fractal é usada para medir a complexidade de objetos irregulares e não pode ser representada por um número inteiro. Em vez disso, a dimensão fractal é calculada usando uma técnica chamada “contagem de caixas”. Isso envolve cobrir o objeto com uma grade de quadrados de tamanho fixo e contar quantos desses quadrados contêm parte do objeto. Quando relacionamos o número de caixas com o número de caixas que contém partes do objeto, temos uma lei de potência. De fato, o expoente dessa lei de potência é relacionado com a dimensão fractal. Portanto, assim como a lei de potência apresenta ausência de escala, fractais também apresentam autossimilaridade.
“Um fractal é uma forma de ver o infinito.” Benoit Mandelbrot.
Além de fractais, a lei de potência pode ser gerada por diferentes regras. No caso das redes sociais, há um efeito chamado "o rico fica mais rico". Ou seja, indivíduos mais conectados tendem a receber mais conexões ao longo do tempo do que os indivíduos que são pouco conectados. Esse comportamento ocorre também na Internet e em redes de aeroportos, de modo que roteadores ou aeroportos densamente conectados geralmente recebem mais conexões. O modelo proposto Albert-Lazlo Barabási e Reka Albert gera redes sem escala. Nesse caso, um vértice j irá receber uma conexão de um vértice i de acordo com a probabilidade que depende do número de conexões de j, isto é, se o vértice j for altamente conectado, então ele terá uma probabilidade maior de receber uma nova conexão. Portanto, o mais conectado ficará cada vez mais conectado — o rico fica mais rico… Seguindo essa regra, é possível mostrar que nesse modelo de Barabási e Albert, a distribuição do número de conexões é dada por:
Leis de potência também podem ser geradas a partir de outros processos, como na criticalidade auto-organizada, que é um estado que ocorre em sistemas complexos, como o clima, a economia, ou o cérebro humano, quando eles atingem um equilíbrio delicado entre a ordem e a aleatoriedade. Nesse estado, pequenas mudanças podem levar a grandes consequências, sendo o sistema capaz de se adaptar e evoluir de forma eficiente. É como um jogo de Jenga, onde a torre está equilibrada de uma forma delicada, e qualquer pequeno movimento pode derrubar a torre, mas também pode levar a novas configurações da torre. O mesmo ocorre com terremotos, onde o movimento constante da crosta terrestre leva a pequenos abalos sísmicos, mas quando há um acúmulo de energia suficiente, é desencadeada uma sequência de eventos que leva a um terremoto de grande escala. A criticalidade auto organizada é importante em muitos sistemas complexos, pois permite a adaptação e evolução contínua em resposta a mudanças no ambiente. A lei de potência é frequentemente utilizada como um indicador de que um sistema está operando em um estado crítico de criticalidade auto-organizada. Ela descreve como o número de eventos varia em relação à sua magnitude.

"Devido à sua natureza composta, sistemas complexos podem exibir um comportamento catastrófico". Per Bak, How Nature Works: The Science of Self-organized Criticality.
Leis de potência também surgem devido à minimização de energia e do custo no envio de informações. Em 1932, Gerge K. Zipf ordenou as palavras de um livro de acordo com a sua ocorrência e verificou que frequência de ocorrência é inversamente proporcional à sua ordem. Ou seja, a palavra mais comum tem ordem um, a segunda mais comum tem ordem dois e assim sucessivamente. Essa relação é inversamente proporcional, o que significa que a palavra mais frequente ocorre aproximadamente duas vezes mais do que a segunda palavra mais frequente, três vezes mais do que a terceira palavra mais frequente e assim por diante. A frequência de uma palavra diminui rapidamente com sua posição na lista, seguindo uma distribuição de lei de potência.

Essa lei de potência entre as palavras foi explicada por Herbet Simon, que propôs um modelo em que a probabilidade de escolhermos uma nova palavra para ser adicionada a um texto é diretamente proporcional à ocorrência da palavra no texto escrito até então. Ou seja, se temos uma página escrita, a escolha da próxima palavra é proporcional à sua frequência nesse texto. Portanto, como no caso das redes sociais que descrevemos anteriormente, é o mecanismo "o rico fica mais rico" em ação.
A ocorrência da lei de potência tem implicações importantes. Por apresentar fenômenos raros, a sua predição é um desafio, como ocorre com os terremotos. Além disso, em redes complexas, como as sociais e de interação genética, os elementos mais conectados, chamados hubs, apresentam uma importância fundamental para o funcionamento do sistema. Por exemplo, indivíduos altamente conectados são melhores propagadores de informação do que indíviduos com poucos contados. Desse modo, tais hubs podem propagar informações falsas e influenciar os debates políticos e sociais. O mesmo ocorre na sociedade, onde os indivíduos mais conectados são os principais propagadores de epidemias. Ao mesmo tempo, na internet, roteadores mais conectados concentram grande parte do tráfego. Logo, o ataque a tais roteadores pode fragmentar a rede rapidamente, levando ao colapso do sistema. Ao mesmo tempo, a ocorrência de lei de potência pode ser benéfica. Como os hubs são raros, falhas aleatórias em tais vértices são raras, o que leva a rede a ser atalmente robusta. Na internet, roteadores estão sendo desconectados a todo momento, mas o sistema continua operando de forma estável, pois a probabilidade de remover um roteador altamente conectado é baixa. O mesmo ocorre em redes biológicas, onde mutações nos genes mais importantes são raras. Logo, a ocorrência de leis de potência em redes complexas faz com o que o sistema seja altamente robusto à falhas aleatórias, mas vulnerável à ataques. Esse é um dos equilíbrios fundamentais que regem a natureza, onde a vida se mostra altamente robusta.
Em nossa sociedade e ao longo da história, lei de potência também podem ser observadas. Por exemplo, em um trabalho recente, ao examinar o tempo de reinado de imperadores romanos, verificamos que dentre os 69 imperadores do Império Romano do Ocidente, apenas 24,8% chegaram tranquilamente ao final do reinado e morreram de causas naturais. Os outros 75,2% morreram de forma violenta, no campo de batalha ou em conspirações palacianas. Ao modelar o tempo de vida, ou seja, até sofrer uma morte violenta, verificamos que os reinados curtos são a regra. Um reinado longo constitui um evento raro. Assim, verificamos que o tempo de vida dos imperadores no poder segue uma lei de potência.
Embora haja muitos outros mecanismos que geram a lei de potência, ainda não entendemos como a ausência de escala foi favorecida ao longo da evolução das espécies. Ainda há muito o que aprendermos sobre sistemas complexos, como as interações biológicas e sociais, mas sabemos que a lei de potência é uma assinatura da complexidade na natureza. Sem a complexidade, o universo seria monótono e sem a beleza da vida. Entender as leis de potência é entender o nosso universo e a nossa origem.
“O cientista não estuda a natureza porque ela é útil; ele estuda porque se deleita com ela, e se deleita porque ela é bela.” Henri Poincaré.
Sugestões de estudo:
O estudo de leis de potência é muito amplo e constitui uma área de pesquisa. Com esse texto inicial, espero ter despertado a curiosidade sobre essas leis incríveis que estão presentes na natureza.
Para saber mais, sugiro o livro "Scale: The Universal Laws of Growth, Innovation, Sustainability, and the Pace of Life in Organisms, Cities, Economies, and Companies", Geoffrey West. Para um tratamento mais matemático, indico o livro "Introduction to the Theory of Complex Systems", ou o artigo de revisão "Power-law distributions in empirical data", publicado pela SIAM Review em 2009.
Também temos uma aula sobre leis de potência que está disponível na plataforma Youtube:

Caso tenham curiosidade em conhecer minhas pesquisas, visitem esse link: https://sites.icmc.usp.br/francisco.
Até a próxima!