Como ter ideias para um artigo científico?

A importância da inspiração e transpiração na pesquisa científica.

Francisco Rodrigues
7 min readJan 24, 2021

Thomas Edison, o inventor da lâmpada elétrica, afirmou que “talento é 1% inspiração e 99% transpiração”. Se esse pensamento estiver correto, então as grandes descobertas científicas são fruto de trabalho intenso, enquanto que os lampejos de genialidade são muito raros. Será que essa afirmação realmente faz sentido?

Entre o outono de 1665 e 1667, quando a Universidade de Cambridge foi fechada devido à Grande Praga que dizimou um terço da população europeia, Isaac Newton estava na fazenda herdada pelos pais, em Woolsthorpe, Reino Unido. Enquanto olhava pela janela, Newton viu a queda de uma maçã e observou que a força que puxava a maçã para o centro da Terra era a mesma que atuava sobre a Lua, fazendo-a girar ao redor do nosso planeta. Esse foi um brilho de inspiração que revolucionou toda a Ciência moderna, levando à escrita do Principia.

Isaac Newton em 1689 e sua obra monumental de 1687, Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica.

Algo parecido ocorreu com Einstein, que em um experimento mental, concluiu que não havia diferença entre ser atraído pela gravidade ou estar em um elevador que é acelerado com um uma força que produz uma aceleração igual à da gravidade. Ou seja, seja g a aceleração da gravidade na Terra, se estivermos em um elevador que acelera g m/s², então não conseguimos distinguir se estamos na Terra ou sendo acelerados em um elevador. Assuma que o elevador não tem janelas e que você não se lembra porque foi colocado lá.

Albert Einstein em 1921. No experimento imaginado por Einstein, a gravidade e aceleração de um elevador são indistinguíveis para uma pessoa dentro do elevador (1907: Einstein’s Second Famous Thought Experiment).

Há outros inúmeros relatos onde cientistas tiveram esses brilhos de inspiração, incluindo ainda Friedrich Kekulé, que teve um sonho em 1825 no qual uma cobra mordia o próprio rabo, e, com isso, descobriu a estrutura do benzeno, e o caso mais recente do ganhador do prêmio Nobel de Física em 2020, Roger Penrose. Penrose conta que teve um lampejo de inspiração em 1964, quando caminhava com seu amigo Ivor Robinson, cientista britânico, pela vizinhança do seu escritório, que ficava na Universidade de Birkbeck, em Londres. Ao atravessar a rua, em um momento de silêncio, Penrose começou a viajar mentalmente para 2,5 bilhões de anos-luz pelo espaço até a massa fervilhante de um quasar giratório. Ele imaginou como o colapso gravitacional puxava uma galáxia inteira cada vez mais para perto do seu centro. A partir dessa ideia, ele conseguiu explicar como a singularidade poderia se formar e ajudou na comprovação da Teoria da Relatividade de Einstein. Sua teoria também provou a possibilidade da existência de buracos negros.

Roger Penrose em 2011. Sua teoria ajudou a entender que os buracos negros previstos pela Teoria da Relatividade Geral eram realmente possíveis.

Esses exemplos mostram que a inspiração tem um papel fundamental na Ciência, assim como nas artes, onde o poeta nunca consegue escrever um poema se não estiver inspirado. Por outro lado, há um ponto importante que nem sempre é notado e está por trás desses lampejos de inspiração: todos esses cientistas estavam trabalhando há anos, talvez até décadas, no problema que levou à inspiração. Ou seja, a inspiração surgiu depois de muita transpiração. Portanto, para termos uma ideia inovadora, não basta apenas a inspiração. É necessário ter um profundo conhecimento sobre o problema que estamos estudando e pensar muito no assunto. Einstein trabalhava todo o tempo na Teoria da Relatividade Geral e assim o fez até os últimos minutos de sua vida (veja na figura a seguir como estava sua mesa de trabalho, no dia que ele faleceu). Essa obsessão por um problema e tentativa de solução é uma das características principais de um cientista. É por isso que ouvimos as anedotas de cientistas distraídos, como Einstein e Newton, que muitas vezes se esqueciam até mesmo de almoçar.

Escritório de Einstein no dia de sua morte.

Voltando ao nosso mundo dos mortais, vamos retomar a pergunta inicial: Como ter ideias para um artigo científico? Não há uma resposta única e aqui colocarei a minha opinião, que muitos podem não concordar. Notem que eu trabalho com Sistemas Complexos e minha pesquisa envolve estudo teórico (modelos matemáticos) e simulação, além da análise de dados usando aprendizado de máquina e estatística. Minhas pesquisas vão desde a modelagem matemática de processos epidêmicos e sincronização em redes complexas, até o desenvolvimento de métodos de Ciência de Dados para diagnóstico de doenças e estudos de redes socias. Para um cientista experimental, talvez minhas ideias precisem ser ajustadas.

Então vamos lá. Para ter-se uma ideia inovadora, primeiro precisamos escolher uma área que estamos interessados em estudar. É importante escolher uma área que realmente sintamos interesse, pois motivação é fundamental. A seguir, selecionamos os livros e artigos relacionados e estudamos com afinco. Com esse estudo, devemos questionar o que já foi descoberto. Uma premissa básica da Ciência, como disse Neil de Grasse Tyson em Cosmos, é que “o cientista tem que questionar sempre”. A Ciência só avança quando é testada até o limite, sem preconceitos. Assim, é importante questionar o que está sendo desenvolvido em uma área de pesquisa. Ademais, um ponto essencial, que nem sempre é comentado, é que precisamos reproduzir alguns trabalhos importantes. Por exemplo, implementar um modelo matemático no computador ou mesmo um experimento com culturas de fungos, é um passo crucial no desenvolvimento de um projeto de pesquisa, tanto em computação quanto em biologia. A reprodutibilidade é um dos pilares do Método Científico! Um experimento que não pode ser repetido, não pode ser confirmado e, portanto, não tem validade científica. Só confiamos na Ciência por ela ser reprodutível. Ademais, a Ciência é dinâmica, de modo que uma teoria só é verdadeira enquanto concordar com os experimentos. Se um experimento não concorda com uma teoria, ela deve ser ajustada ou mesmo abandonada. Essa é uma das ideias pregadas por Karl Popper, um dos maiores filósofos da ciência do século XX. Popper argumentou que uma teoria científica será sempre conjectural e provisória — essa ideia é chamada Racionalismo Crítico.

Na série Cosmos, da National Geographic, é mostrada a importância da Ciência para o progresso da humanidade.

Depois de estudar com profundidade um tema e reproduzir alguns experimentos importantes, ou mesmo realizar demonstrações matemáticas, estamos aptos para o próximo passo: as perguntas a serem feitas. Einstein uma vez afirmou que “se eu tivesse uma hora para resolver um problema e minha vida dependesse da solução, eu gastaria os primeiros 55 minutos determinando a pergunta certa a se fazer, e uma vez que eu soubesse a pergunta, eu poderia resolver o problema em menos de 5 minutos”. Esse passo nem sempre está claro para os cientistas iniciantes, mas é fundamental primeiramente organizar as ideias e fazer a pergunta certa que queremos investigar. Um artigo científico deve ser desenvolvido a partir de uma pergunta e uma hipótese, associada à essa pergunta. A partir daí, desenvolvemos nossa pesquisa.

No entanto, antes de começarmos a tentar responder a pergunta, é importante verificar se alguém ainda não a respondeu. Para isso, é crucial realizar uma profunda revisão da literatura, procurando os artigos em respositórios como Web of Science ou Scopus. Também devemos acompanhar o que está sendo publicado, como mostrei na minha última publicação. Se o problema ainda não foi resolvido, então temos um tema para pesquisa que pode render um artigo científico.

A partir da pergunta formulada, basta seguirmos os próximos passos do método científico. (Feynman apresenta o Método Científico em 60 segundos neste link.)

O Método Científico, segundo a Enciclopédia Britância.

Antes de terminar, é importante comentar que nem sempre a pesquisa científica é linear. Às vezes, uma descoberta nasce de um interesse genuíno. Por exemplo, um aluno de Ciência da Computação pode gostar muito de artes e decidir investigar se um método de aprendizado de máquina pode predizer o estilo de pintores de acordo com o movimento artístico. Ou seja, ele pode estudar se essas diferenças no estilo podem ser capturadas por um método de aprendizado de máquina e se é possível desenvolver um crítico de arte artificial. Ou ainda, alguém interessado no ensino infantil, porque gosta muito de crianças, pode verificar a influência da comunicação não violenta no aprendizado. De fato, para investigar um assunto com afinco e chegar a uma descoberta significativa, o cientista deve gostar muito do que faz. Em Ciência, não importa a descoberta, mas o caminho para se chegar até ela. É como subir uma montanha, não importa chegar ao pico, mas sim o caminhar e o desafio para se chegar até lá. Um Cientista não se compraz apenas com a descoberta final, mas com toda a caminhada investigativa, onde ele aprende e ajuda no avanço do conhecimento, publicando artigos, livros e, o mais importante, preparando alunos para as futuras descobertas. A Ciência não é uma obra de um único indivíduo, mas um trabalho feito a muitas mãos. Como disse Newton em 1675, “se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. Mesmo que não cheguemos a uma grande descoberta que vá revolucionar a Ciência, como a de Newton, aproveitemos a caminhada. Aprender é divertido!

Isaac Newton afirmou ainda: “Tenho a impressão de ter sido uma criança brincando à beira-mar, divertindo-me em descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto o imenso oceano da verdade continua misterioso diante de meus olhos.” Photo: Feri & Tasos.

Caso tenham curiosidade em conhecer minhas pesquisas, vejam esse link: https://sites.icmc.usp.br/francisco.

Até a próxima!

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Francisco Rodrigues
Francisco Rodrigues

Written by Francisco Rodrigues

Professor of Data Science and Complex Systems at the University of São Paulo. https://linktr.ee/francisco.rodrigues

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