A Ciência é realmente importante?
O impacto da Ciência em nossa vida cotidiana.
por Francisco Rodrigues, Universidade de São Paulo.
Antes de falarmos se a Ciência é realmente importante, o que é a Ciência? Basicamente, considerando a pesquisa empírica, a Ciência é o produto do Método Científico. Esse método consiste da observação de um problema, formulação de hipóteses, realização de experimentos e posterior comprovação, ou não, de uma teoria. Todas as teorias científicas passam por esse rigoroso procedimento e são testadas ao limite. Se uma teoria falha nesse teste, ela deve ser reformulada ou descartada. É assim que a Ciência avança desde o final da Idade Média.

“Não importa quão bela seja sua teoria, não importa quão inteligente você seja. Se ela não estiver de acordo com os experimentos, está errada.” — Richard Feynman.
Para discutir a importância da Ciência, predicamos identificar o que é mais importante para nós, seres humanos. Não é preciso raciocinar muito para constatarmos que a nossa vida, e as daqueles que amamos, é o que temos de mais precioso. Logo, se tivéssemos um método para aumentar nosso tempo de vida, ou mesmo proteger nossos entes queridos e amigos, esse método seria extremamente valioso. Vamos observar o gráfico a seguir.

No Reino Unido, a expectativa de vida aumentou muito a partir do final do século XIX, indo de cerca de 40 anos para mais de 80 anos, atualmente. Portanto, nessa época, surgiu “algo” que aumentou as nossas chances de sobrevivência. O que teria causado tamanho aumento? Vamos adentrar a História.
Louis Pasteur nasceu na França, em 1822. Era filho de um curtidor de peles de animais e teve uma infância bastante humilde. Estudou na École Normale Supérieure e tornou-se professor de física e química nas universidades de Estrasburgo e Lille. Enquanto estudava o motivo do azedamento de vinhos, descobriu que a causa eram microrganismos, que azedavam também o leite e a cerveja. A partir dessa descoberta, ele inventou a pasteurização, processo usado hoje na indústria para matar os microrganismos através do aquecimento. É devido à essa técnica que hoje temos leites e sucos pasteurizados nos mercados e não corremos o risco de contrair doenças, como a tuberculose ou difteria. Essa visão de que haveria um mundo microscópico, invisível aos nossos olhos era uma grande novidade na época, pois até então, acreditava-se na teoria da geração espontânea, que afirma que seres vivos poderiam “nascer” da matéria orgânica, como vermes e insetos criados a partir da putrefação. Essa teoria foi totalmente refutada com os experimentos de Pasteur, que provou que organismos só podem nascer de outros organismos.

Motivado pelos trabalhos com vinho e cerveja, Pasteur se dedicou ao estudo de microrganismos associados às doenças, como antraz, cólera e raiva. Pasteur mostrou que bactérias e outros germes causavam a putrefação e, portanto, poderiam agir no corpo das pessoas e produzir doenças. Assim, pela primeira vez, pode-se provar que os microrganismos podem infectar as pessoas e causar diferentes enfermidades. Pasteur fez essas descobertas mesmos depois de ter sofrido um derrame que lhe afetou a fala e a destreza, tanto necessária em experimentos científicos.
Embora essa associação entre microrganismos e doenças seja óbvia para nós hoje em dia, ela enfrentou muita resistência, inicialmente. Um exemplo típico é o caso do médico Ignaz Philipp Semmelweis. Em 1847, Semmelweis estava intrigado com a taxa de mortalidade de mães em Viena. Na maternidade, haviam duas unidades, uma para parto natural, assistido por parteiras, e uma outra, dirigida por médicos. As mulheres que passavam pelos médicos tinham nove vezes mais chance de morrer de febre pueril, que gerava inchaço abdominal, múltiplos abcessos e febre alta. Semmelweis realizou diversos experimentos para tentar diminuir a mortalidade, mudando a alimentação das gestantes ou mesmo a posição do parto. No entanto, ele observou uma grande diferença na mortalidade quando fez com que os médicos lavassem as mãos antes dos procedimentos cirúrgicos. Os médicos trabalhavam simultaneamente no necrotério e no hospital e, portanto, “algo” era levado de um local para outro, causando a morte das gestantes. Com esse procedimento de lavagem das mãos, a mortalidade caiu dez vezes. No entanto, os médicos não acreditam em Semmelweis, que acabou demitido, após acusar os médicos de assassinado por não lavarem as mãos. Portanto, embora as evidências apontassem que a contaminação estava gerando as mortes, médicos não acreditaram nessa hipótese e continuaram ignorando os procedimentos, até que Pasteur provou que microrganismos causavam doenças. Vemos que ideias científicas nem sempre são facilmente aceitas e que isso pode levar a consequências terríveis, incluindo muitas mortes. Infelizmente, mesmo médicos e cientístas às vezes refutam em aceitar novas ideias comprovadas pela ciência.

Portanto, a descoberta da associação entre doenças e microrganismos ajudou a diminuir a mortalidade. Mas não foi apenas isso. Pasteur continuou seus estudos com agentes patogênicos e em 1885, testou com sucesso a vacina antirrábica, tratando um garoto de 9 anos que havia sido mordido por um cão infectado pelo vírus Rabies lyssavirus. A partir daí, iniciou-se o desenvolvimento de vacinas, coincidindo com o crescimento na curva que mostramos anteriormente. Logo, as vacinas ajudaram a aumentar expectativa de vida da população. Enquanto anteriormente crianças morriam de complicações geradas pelo sarampo ou rubéola, hoje temos vacinas que protegem contra dezenas de diferentes outras doenças. Portanto, foi desenvolvimento científico, feito por cientistas que trabalharam por muitas décadas, que permitiu que crianças chegassem à idade adulta, aumentando assim a expectativa de vida.
Além das vacinas, outros avanços foram fundamentais. Alexander Fleming, em 1928, descobriu a penicilina, que é um dos antibióticos mais importantes já criados. Felix Hoffman descobriu a aspirina e outras drogras anti-inflamatórias. No século XIX, William Thomas Green Morton e Crawford Williamson Long utilizaram o éter sulfúrico como anestesia, permitindo que cirurgias fossem realizadas de maneira indolor. E mais recentemente, Watson e Crick descobriram a estrutura do DNA, o que levou ao desenvolvimento de terapias genéticas.
Em pouco mais de um século, a Ciência proporcionou um avanço na medicina nunca antes observado, graças ao emprego do Método Científico, que permite testar hipóteses e verificar o que realmente funciona, através de experimentos.
Portanto, considerando apenas a medicina, vemos que todas essas descobertas explicam o aumento de nossa expectativa de vida, levando-nos a concluir o quão importante é a Ciência para a humanidade. Além da medicina, outros fatores alavancados pela Ciência também ajudaram nesse aumento da expectativa de vida, tais como a facilitação no plantio e distribuição de alimentos, o aperfeiçoamento dos sistemas de distribuição de água e coleta de esgotos e medidas preventivas que a Ciência mostra que são efetivas, como a alimentação adequada e a prática de exercícios físicos. Todas essas descobertas aumentaram a nossa chance de sobrevivência, graças ao trabalho árduo de gerações de cientistas que dedicam sua juventude às pesquisas para melhorar a nossa qualidade de vida.
De fato, para termos uma ideia da presença da Ciência em nosso cotidiano, basta observarmos um simples smartphone. Nesse aparelho há centenas, talvez milhares, de descobertas científicas. Para que possamos ler esse texto em um smartphone, Michael Faraday descobriu o motor elétrico, James Clerk Maxwell fundamentou as leis do eletromagnetismo, Alessandro Volta criou as baterias, Claude Shannon formulou a Teoria da Informação e John Bardeen, Walter Brattain e William Shockley criaram o transistor. Sem contar todos os engenheiros que adaptaram as teorias para o mundo real e a multidão de programadores de computadores que desenvolveram (e desenvolvem) os aplicativos e sistemas operacionais. Todo esse desenvolvimento em que um grupo de pessoas, grande parte estranhas umas às outras, trabalharam em conjunto, só foi possível porque o conhecimento é passado de geração para geração e compartilhado através de artigos científicos, livros e conferências. Logo, além de aumentar nossa expectativa de vida, a Ciência nos dá conforto, alimentação e permite que nos eduquemos, pois o conhecimento hoje é bastante democrático. Basta que tenhamos um aparelo celular para acessar a Wikipedia, que é maior biblioteca da história (maior até do que a de Alexandria). A Ciência não apenas salva vidas com medicamentos, mas permite produzirmos mais alimentos, que nos comuniquemos com rapidez e nos tornemos mais sábios.
Mas se a Ciência é tão importante, por que ela tão atacada?
Há muitas causas, eu vou citar apenas três delas. Primeiro, por incrível que pareça, a causa está na nossa capacidade intelectual. O ser humano é a única espécie que consegue criar conceitos que não existem. Como afirma Yuval Noah Harari, no livro “Sapiens”:
“A característica verdadeiramente única da nossa linguagem não é a sua capacidade de transmitir informações sobre homens ou leões. É a capacidade de transmitir informações sobre coisas que não existem”.
É por isso que surgem as teorias conspiratórias que atacam a Ciência. É muito fácil criar teorias absurdas, como a que afirma que Terra seria uma superfície plana, ou mesmo que vacinas vão modificar o DNA de seres humanos, e propaga-las na internet ou em grupos do Whatsapp. No entanto, essas teorias são facilmente refutáveis com uma visão crítica. Se a Terra realmente fosse plana, a sua sombra na lua durante um eclipse não seria um círculo, mas uma elipse. De fato, Eratóstenes já havia mostrado que a Terra é redonda e calculado o seu diâmetro por volta do ano 200 a.C. (veja o vídeo de Carl Sagan explicando esse incrível feito nesse link). Já no caso das vacinas, se fossemos capazes de modificar o DNA, já teríamos encontrado a cura do câncer. É claro que alguma teoria conspiratória poderia afirmar que as indústrias farmacêuticas já possuem a cura, mas preferem ganhar dinheiro vendendo medicamentos, mas esse raciocínio também não é válido. Com tantos cientistas trabalhando independentemente pela cura do câncer e com tanto compartilhamento de informação na internet e em conferências científicas, é pouco provável que uma empresa guarde essa cura a sete chaves. De fato, basta pensarmos criticamente e vamos verificar que grande parte das notícias falsas são facilmente refutáveis. No entanto, devido às ideologias ou crenças, muitas vezes acreditamos no que nos é confortável e reforçamos aquilo que acreditamos. Assim, muitos acreditam em fantasias criadas pela mente humana e cria-se uma legião de seguidores. Como afirmou Charles Duhigg no livro “O poder do hábito”:
“Há algo de poderoso em grupos e experiências compartilhadas.(…) Uma comunidade cria fé”.
Com isso nascem os grupos que compartilham a pseudociência. Para se ter uma ideia do poder da pseudociência, no Brasil, um terço dos brasileiros desconfiam da Ciência. No mundo todo, apenas 18% das pessoas afirmam ter muita confiança na produção científica, conforme vemos no gráfico a seguir.

Apenas com educação científica, vamos conseguir educar nossa sociedade para que o pensamento crítico seja algo comum, e não a exceção. A partir daí, seguiremos a máxima do pensando científico: desconfiar sempre e só aceitar aquilo que foi testado pelo Método Científico.
A segunda razão da pouca valorização da Ciência está na falta de um sistema educacional que realmente mostre a importância da Ciência. Ensinar Ciência através de aulas expositivas, com memorização de conceitos, não permite aos alunos criarem uma visão crítica e apreciar as beleza das descobertas científicas. Disciplinas científicas, tais com Biologia ou Física, deveriam ser ensinadas com experimentação e foco na experiência cotidiana. Quando falamos de movimento acelerado, deveríamos mostrar como a velocidade muda com a queda de um objeto. Quando estudamos células, é fundamental termos um microscópico que permita ver as organelas. Ao invés de falarmos sobre sementes, é mais interessante vermos um grão de feijão germinar.
Só aprendemos conceitos científicos se experimentarmos.
Além disso, é fundamental darmos aos estudantes a chance da descoberta. Ao invés de mostrarmos a equação que descreve a queda livre de um objeto, os estudantes devem realizar um experimento e verificar essa teoria na prática, usando medições e construindo gráficos. Com isso, um estudante irá pensar de uma maneira crítica sobre a comprovação, ou não, de uma teoria. Ademais, leituras de livros científicos, tais como “O mundo assombrado por demônios”, de Carl Sagan, ou “Uma breve história de quase tudo”, de Bill Bryson, deveriam estar na lista de livros pedidos nos vestibulares, para assim incentivar a sua leitura.
O nosso sistema de ensino é um dos responsáveis pela pouca valorização da Ciência.

Finalmente, a terceira causa são os próprios cientistas. A Ciência se especializou após a Revolução Industrial e o nascimento do reducionismo, que afirma que as propriedades do todo podem ser reduzidas às propriedades das suas partes, aumentando ainda mais essa especialização. A partir do reducionismo, criou-se disciplinas altamente especializadas de modo que mesmo cientistas de uma mesma área às vezes não conseguem entender os trabalhos de seus colegas. Infelizmente, cientistas de todo o mundo ainda pouco se esforçam para tornar as descobertas científicas acessíveis ao público em geral. Com isso, os leitores leigos não se sentem encorajados a aprenderem sobre vacinas, mutações genéticas, Teoria da Relatividade ou mesmo aquecimento global. Dessa forma, abre-se um vácuo que é preenchido pela pseudociência. Assim, prega-se que vacinas podem levar ao autismo, que o homem nunca pisou na Lua ou que o aquecimento global é uma falácia inventada pelo globalismo. Como afirmou Carl Sagan em “O mundo assombrado pelos demônios”:
“As divulgações científicas escassas e malfeitas da ciência abandonam nichos ecológicos que a pseudociência preenche com rapidez”.
Portanto, é urgente que a pseudociência seja combatida com a Ciência. Há mais beleza na Ciência do que muitos imaginam.
A Ciência pode ser tão apreciada quanto a arte. Há tanta beleza na evolução Darwiniana quanto em uma peça de Beethoven.
De qualquer forma, embora pareça fácil culpar os cientistas pela falta de divulgação, há um ingrediente importante que contribui para esse comportamento. As agências de fomento e governos, que financiam a Ciência, ainda não valorizam a divulgação científica e pesquisadores são cobrados por resultados, ou seja, artigos científicos publicados em revistas especializadas. Dessa forma, cientistas não são encorajados a escrever para o público leigo, gastando seu tempo apenas na pesquisa científica que gere resultados. Portanto, uma mudança na postura dos órgãos de fomento é fundamental para que essa divulgação cresça, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.
Ainda falta financiamento para a divulgação científica.
Atrelado a todos esses pontos, temos ainda que citar a deficiência no investimento científico, principalmente no Brasil. Para exemplificarmos como o investimento em pesquisa é importante, citemos a história.
No início de 1800, Alexander von Humboldt, naturalista alemão, foi nomeado ministro da Educação na Prússia e, a partir daí, transformou as universidades em centros de pesquisa. Anteriormente, as universidades eram locais de aprendizado automático, onde os alunos não participam do desenvolvimento do conhecimento, como ocorre atualmente. A partir daí, muitos recursos foram aplicados às universidades e a Alemanha ultrapassou a França e Reino Unido em termos do desenvolvimento de novas tecnologias e descobertas. Esse modelo de universidade de pesquisa foi adotado nos Estados Unidos, levando ao surgimento das principais universidades do mundo. No Brasil, há muitas universidades de pesquisa, sendo a Universidade de São Paulo, a Unicamp, a Unesp e algumas universidades federais, as que mais desenvolvem pesquisa no país (veja o ranking das universidades brasileiras nesse link). Infelizmente, o investimento em Ciência vem diminuindo nos últimos anos e estamos perdendo oportunidades e jovens talentos que se mudam para centros de pesquisa no exterior, onde há muitos mais recursos. No gráfico a seguir, vemos que a partir de 2015, houve uma queda drástica no orçamento científico nacional.

Ainda não sabemos os efeitos desses cortes, mas provavelmente vamos perder muito dos avanços que conseguimos nas últimas décadas. Se o investimento em Ciência, ainda seremos compradores, e não desenvolvedores, de tecnologias de ponta. Veja nesse link uma reportagem sobre esse tema.
Apesar de todos esses problemas mencionados anteriormente, ainda há esperança. Desde a Idade Média, a Ciência sempre avançou e, independentemente dos ataques sofridos, ela vem proporcionando uma vida melhor a todos nós. Foi a Ciência, através do Método Científico, que fez com que a humanidade, antes camponeses na Idade Média, chegasse à Lua 500 anos depois.

A Ciência fez com que nossa expectativa de vida dobrasse, proporcionando mais conforto e permitindo que nos comuniquemos de forma extremamente rápida. É claro que a falta de valorização da Ciência diminui a velocidade dos avanços científicos e tecnológicos, que nos ajudariam a viver mais e melhor. Mesmo assim, os avanços continuarão, para o bem da humanidade.
Para concluir, respondendo à pergunta inicial: A ciência é realmente importante? Sim, a ciência é o que temos de mais valioso. Uma maneira de valorizar a ciência é aprender sobre ela e difundir ideias científicas. Devemos ter em mente que, embora sejamos imperceptíveis no universo, somente a ciência nos torna especiais. A ciência nos fez grandes o suficiente para viajar até as fronteiras do sistema solar. A imagem obtida pela Voyager (Pale blue dot) mostra o nosso grande poder, mas também a nossa pequenez perante o universo. A ciência nos permite sermos mais sábios e mais humildes. Portanto, vamos aprender sobre a ciência! Só assim saberemos como cuidar mais do nosso planeta e de nós mesmos.

Caso tenham curiosidade em conhecer minhas pesquisas, vejam esse link: https://sites.icmc.usp.br/francisco.
Até a próxima!